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Coquetel II Prêmio Afroturismo Brasil

Escrevivência Afro: Empoderamento e Resgate Cultural no Turismo

Escrevivência Afro: Empoderamento e Resgate Cultural no Turismo – Por Flávia Ribeiro

No dia 15/4, às 19h45, cheguei a um espaço charmoso para a comemoração da premiação do II Prêmio do Afroturismo, organizado pelo Guia Negro em parceria com a Embratur (Agência Brasileira de Promoção Internacional do Turismo).

O local escolhido para o evento foi o Alan Jardim, de propriedade de uma mulher negra na região do Bixiga. Lá, exala cheiros de um tempo que, na combinação do verde das plantas, transmite ancestralidade e aconchego, realçando a nossa beleza negra pelo espaço.

Na recepção, uma mulher da organização, elegante e acolhedora, nos trouxe o espírito da Glória Maria como símbolo de uma mulher negra viajante pelo mundo.

Quilombo de Viajantes

Escrevivência - Quilombo Viajantes Pretes - II Prêmio Afroturismo
Escrevivência – Quilombo Viajantes Pretes – II Prêmio Afroturismo

Assim, neste cenário bafônico, foi possível me reconhecer como parte de um movimento de viajantes negres, “quilombo de viajantes”.

Como mulher negra das periferias de São Paulo e mãe solteira, a viagem para mim sempre ficou num lugar imaginário, um desejo escondido.

Ao longo do tempo, a vergonha de assumir esse sonho como projeto de vida me fazia sentir contraditória, pelo enfrentamento das desigualdades raciais que vivenciamos no contexto brasileiro. Como se os únicos destinos possíveis para mim fosse fossem o Centro de Referência de Saúde do Trabalhador – CEREST, devido aos acúmulos de CIDs laborais que adquiri pelos efeitos do racismo institucional nas Instituições Públicas como assistente social, maternidade e militância.

Assim, a invisibilidade e o silenciamento emudeceram a minha trajetória como mulher e como trabalhadora, permanecendo num canto qualquer…

Por outro lado, o acesso às cotas raciais à Universidade Pública abre caminhos para uma juventude preta que não aceita mais as imposições de um passado colonial na qual resistem para que seja borrado esse passado mal contado, sobre nós, construindo um novo futuro.

Mulheres negras viajantes me inspiram

Desse modo, me surpreendo com as inúmeras mulheres negras viajantes que constroem táticas de resistência para estarem em movimento no mundo. Esse movimento de mulheres negras viajantes me inspiram.

Quando minha filha conquistou sua autonomia na vida adulta, criei uma página no Instagram “Preta_Viajante”, nela sou escrevivente das minhas experiências como viajante negra, escrevivências da Flávia Ribeiro, termo criado pela escritora Conceição Evaristo.

Assim, a escrevivência me levou para os mundo da academia, permeado ainda pela colonialidade de poder. Atualmente estou como pesquisadora de mestrado pelo PROMUSPP na USP, com o objetivo de analisar os efeitos do Racismo Institucional na Política Pública de Cultura nas periferias de São Paulo.

Entretanto, não tinha voz para enfrentar o espaço acadêmico tão adverso para mulheres da minha geração e origens, de um tempo marcado pela falta de acesso à educação como direito, com tanta violência no ambiente escolar. Lá, eu ficava nos cantos da sala, eu tinha medo.

Desse modo, numa viagem para a Bolívia como refúgio de cura pelos adoecimentos laborais nas instituições públicas e frustrações do universo acadêmico, recebi uma mensagem pelo meu Instagram da influencer de viagens Rebecca Aletheia, minha seguidora na página.

“- Flávia Ribeiro, quero que você grave um podcast desta viagem maravilhosa para Bitonga Travel.”

O estilhaçar da máscara se quebra, desde aí…

Depois da gravação do podcast, comecei a falar todos os dias nas minhas redes sociais, comecei a ouvir o eco da minha voz, que não ressoa como um passarinho entre os bosques verdes, mas que é forte como a tromba d’água na cabeceira do rio, e bela aos olhos de Oxum.

Desse modo, muitos seguidores deixaram de seguir a Preta Viajante, alguns curiosos/as me espiam, outras/es me reconhecem como luta e inspiração.

Com a minha voz craquelada, ferida e desconexa pelo uso da máscara de ferro, busco transformar essas dores em rima e poesia.

Ser a preta_viajante, e se transportar para uma viagem cotidiana, e ser humana que busca transformar cicatrizes em alegria.

Mas ser uma mulher negra viajante é muita audácia, né? Vocês querem tudo agora, não basta Carolina, Evaristo e a Glória Maria. Querem seguir os mesmos caminhos delas, ser gente agora? Querem reivindicar esse lugar de sujeitas no mundo, como assim? Eu tapo meus ouvidos.

Mas eu tomo a minha voz de volta.

Desse modo, depois da gravação do podcast, eu sei de uma coisa…

Descubro que a minha voz tem som, tem prosa e melodia. Aquela máscara não se encaixa mais na minha face, perdeu a medida, perdeu a função, perdeu a validade.

Agora a viajante negra escrevivente vai falar, mesmo que você não me escute.

Assim, a matemática dos números de seguidores como métrica não se tornou indicador para o meu reconhecimento como uma viajante negra, pela Bitonga Travel.

Desse modo, Rebecca Aletheia idealizadora da Bitonga Travel, nos conecta entre os tempos, com a sua gentileza, sensibilidade e seguranças, para que possamos seguir pelas suas experiências da “Mãe África” majestosa e acolhedora, na quebra de esterótipos construidos por viajantes colonizadores.

Sendo assim, temos muito que aprender com mulheres mais velhas, e como as mulheres mais jovens desse novo tempo.

Assim, hoje faço parte da maior comunidade de viajantes mulheres negras do mundo “Bitonga Travel”, meus olhos lacrimejam de orgulho só de escrever neste blog.

Eu tenho uma comunidade, sou uma bitongueira, me sinto segura e pertencente como grupo.

Desse modo, fiquei muito à vontade para me sentir bela para o evento de premiação como representante, glamorosa como a rainha do funk, ousada, com meu vestido de tom pêssego que comprei num brechó que protagonizou muito bem com meu penteado afro.

Um look perfeito exige uma diversão com pessoas lindas e divertidas como um quilombo de Viajantes.

Solta o som DJ!

Oh, Baby, dance, dance, dance.’

Vem mexendo assim, não pare, pare, pare.

Com seu jeitinho sexy, sexy, sexy.

Assim, eu pude estar segura neste evento.

Uma mulher quente como vulcão.

Flávia Ribeiro - Preta_Viajante
Flávia Ribeiro – Preta_Viajante

Entretanto, como uma mulher quente como vulcão, penso que para a próxima edição da premiação do Guia Negro, possamos somar nesse processo tão bonito e tão potente na construção de novas categorias, tanto para mulheres negras que renovam com o afroturismo, como LGBTQIAPN+ negres, visto que temos especificidades e complexidades distintas como viajantes.

A morte da viajante Julieta venezuelana por feminicídio, no mês de Dezembro, reverberou num medo coletivo para todas as mulheres viajantes e não viajantes. A violência de mulheres revela dados assustadores nesse país, com a incidência maior das mulheres negras.

Neste sentido, a Bitonga Travel, com a produção de podcast nas plataformas das redes sociais, tem um papel importante tanto para resguardar a memória do povo negro, por meio das experiencias das mulheres negras viajantes pelo mundo, como na construção de uma biblioteca virtual e, tornado um canal de utilidade pública para todas as mulheres.

Assim, para que seja um futuro que nos cabe, onde as nossas meninas “amoras” possam ocupar diversos lugares no mundo.

Além disso, consumir conteúdos de mulheres negras viajantes, e reconhecer nossa potência transformadora nesse mundo, como desbravadora e como pontes para um novo mundo.

Desse modo, desenhar um novo futuro, é garantir que possamos andar pelo mundo sem culpa, como pessoas, comunidade, corpos e corpas nesse mundo.

É mesmo que esse “Outro” nos nega.

O mundo será é nosso lugar, somos ventre desse mundo, e vamos tomá-lo de volta.

Assim, pensar no Afroturismo é também compreender a viagem como cura, como quebra da mordaça, como romper com a Casa Grande dentro de nós, sair de um sono profundo pelo esquecimento de saber quem somos como povo, usufruir dessa economia históricamente produzida por nós e falar a nossa língua.

Ou seja, viajar é desenvolvimento humano.

É preciso tornar legítimo para nossa comunidade como direito.

No dia seguinte…

Turismo e Afroturismo prêmio 2024 WTM
Turismo e Afroturismo prêmio 2024 WTM

 

Depois de tanta intensidade como viajante, no dia seguinte, estava lá no WTM, com outras companheiras/os de viagens para o lançamento do roteiro do Afroturismo SP, na qual foram mapeados 10 destinos no Estado de São Paulo nesta categoria.

O bairro onde eu moro ha 2 anos, o Bixiga também entrou neste roteiro, assim como outros territórios negros apagados historicamente.

O que muda com esse roteiro de Afroturismo?

O reconhecimento é importante como luta, entretanto exige a disputa de orçamento, bem como do mercado negado para nós, como viajantes, como trabalhadoras/es, como estudantes, pesquisadores/as como mulheres, comerciantes como gente no mundo.

Desse modo, tanto o governo Estadual como Federal precisam construir esse diálogo com a comunidade negra para promoção de políticas públicas e na negociação com os diversos setores do turismo, assim como formações para esse segmento.

Nesse  o evento representado pela presença da Tânia Nerez – Embratur do Ministério do Turismo.

Depois disso, aproveitei para conhecer a feira e me deliciar com os destinos da América onde desejo conhecer e adquirir novas experiências como preta viajante.

Leia também,

WTM 2024: Destaques e Tendências do Turismo e Afroturismo

 

Bitonga Travel

Coletivo de Mulheres Negras Viajantes

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